quinta-feira, 31 de março de 2011

Jesus Cristo - Descobrindo o Jesus Histórico

Numa incrível viagem à Palestina do século I, historiadores e arqueólogos reconstituem como era a vida do homem comum que se tornou o filho de Deus para os mais de 2 bilhões de cristãos

Foi um dia de trabalho como outro qualquer. Depois da festa da Páscoa do ano 3790 do calendário hebraico, a maioria dos camponeses seguia sua rotina normalmente, assim como os coletores de impostos, os pescadores, os soldados romanos, os carpinteiros, os sacerdotes e as prostitutas. Em Jerusalém, contudo, algumas pessoas deviam estar comentando o tumulto do dia anterior, que resultou na morte de um judeu. Nada que não estivessem acostumados a ouvir. Naquele tempo, a cidade já era palco de conflitos político-religiosos sangrentos e quase sempre algum agitador morria por incitar a rebelião contra os romanos, que governavam a região com o apoio da elite judaica do templo de Jerusalém.

Dessa vez, a confusão foi causada por um judeu camponês chamado Yeshua, que foi aprisionado e condenado à morte por ter desafiado o poder romano e o templo de Jerusalém em plena Páscoa. Se você quisesse chamar a atenção de multidões para as suas idéias, essa era a data ideal. A festa tinha um forte conteúdo político, já que comemorava a libertação dos hebreus do Egito, que agora estavam sob o domínio dos romanos. No meio da multidão (imagine a cidade paulista de Aparecida do Norte em dia de peregrinação), pouca gente deve ter se comovido com a prisão e morte de mais um judeu agitador – a não ser um punhado de parentes e amigos pobres.

Mas nem eles poderiam imaginar que a cruz em que Jesus pagou sua sentença (sim, Yeshua é Jesus em hebraico) seria, no futuro, o símbolo mais venerado do mundo. Da suntuosa Basílica de São Pedro, no Vaticano, à pequena igrejinha da Assembléia de Deus, encravada no interior da Floresta Amazônica, a cruz se tornou o símbolo de fé para mais de 2 bilhões de pessoas. Sua morte dividiu, literalmente, a história em antes e depois dele. Mas, afinal, quem foi Jesus?

Pode parecer estranho, mas para os estudiosos há pelo menos dois Jesus. O primeiro, que dispensa apresentações, é o Cristo (o ungido, em grego), cuja história contada pelos quatro evangelistas deixa claro que ele é o enviado de Deus para salvar os homens com a sua morte.

O outro Jesus, já citado no início deste Post, é Yeshua, o homem que morreu sem chamar muita atenção dos cidadãos do Império Romano. Além dos evangelhos – que, embora tragam detalhes do que teria sido a vida de Jesus, são considerados uma obra de reverência e não um documento histórico – há apenas uma menção direta a ele citada pelo historiador judeu Flávio Josefo, que escreve sobre sua morte no livro Antiguidades Judaicas, feito provavelmente no fim do século I. Para os pesquisadores, essa falta de citações seria um indício da pouca repercussão que Jesus teria tido para os cronistas da época. Se existisse um grande jornal em Israel no tempo de Jesus, sua morte provavelmente seria noticiada no caderno de polícia, e não na primeira página.

Pesquisadores acreditam que, apesar de não existirem indícios materiais diretos sobre o homem Jesus, arqueólogos e historiadores podem ao menos reconstituir um quadro surpreendente sobre o que teria sido a vida de um líder religioso judeu naquele tempo, respondendo questões intrigantes sobre o ambiente e o cotidiano na Palestina onde ele vivera por volta do século I.

A anunciação do Anjo Gabriel a Maria, por Leonardo da Vinci, 1475, Galleria degli Uffizi, Florença

Nazaré, entre 6 e 4 a.C.

Uma aldeia agrícola com menos de 500 habitantes, cuja paisagem é pontuada por casas pobres de chão de terra batida, teto de estrados de madeira cobertos com palha, muros de pedras coladas com uma argamassa de barro, lama ou até de uma mistura de esterco para proteger os moradores da variação da temperatura no local. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré na época em que Jesus nasceu, provavelmente entre os anos 6 e 4 a.C., no fim do reinado de Herodes. Isso mesmo: segundo os historiadores, Jesus deve ter nascido alguns anos antes do ano 1 do calendário cristão. As pessoas naquele tempo não contavam a passagem do tempo como hoje, por meio da indicação do ano. O cabeçalho dos documentos oficiais da época trazia apenas como indicação do tempo o nome do regente do período, o que leva os pesquisadores a crer que Jesus teria nascido anos antes do que foi convencionado. Mas não adiantaria chegar a Nazaré no dia 25 de dezembro. Em primeiro lugar, porque ninguém sabe ao certo o dia e a data em que Jesus nasceu, sabe-se apenas que o mês de dezembro é bastante improvável. Esta data foi fixada pela Igreja no ano 525 porque era a mesma época das festas pagãs de Roma em celebração ao deus Sol, Invictus, e a deusa Mitra.

Se você também está se perguntando por que os historiadores buscam evidências do nascimento de Jesus na cidade de Nazaré e não em Belém, cidade natal de Jesus, de acordo com os evangelhos de Mateus e Lucas , é bom saber que, para a maioria dos pesquisadores, a referência a Belém não passa de uma alegoria da Bíblia. Na época, essa alegoria teria sido escrita para ligar Jesus ao rei Davi, que teria nascido em Belém e era considerado um dos messias do povo judeu. Ou seja: a alcunha “Jesus de Nazaré” ou “nazareno” não teria derivado apenas do fato de sua família ser oriunda de lá, como costuma ser justificado.

Mesmo que os historiadores estejam certos ao afirmarem que o nascimento em Belém seja apenas uma alegoria bíblica, o entorno de uma casa pobre na cidade de Nazaré daquele tempo não deve ter sido muito diferente do de um estábulo improvisado como manjedoura. Como a residência de qualquer camponês pobre da região, as moradias eram ladeadas por animais usados na agricultura ou para a alimentação de subsistência. A dieta de um morador local era frugal: além do pão de cada dia (no formato conhecido no Brasil hoje como pão árabe), era possível contar com azeitonas (e seu óleo, o azeite, usado também para iluminar as casas), lentilhas, feijão e alguns incrementos como nozes, frutas, queijo e iogurte. De acordo com os arqueólogos, o consumo de carne vermelha era raro, reservado apenas para datas especiais. O peixe era o animal consumido com mais freqüência pela população, seco sob o sol, para durar. A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas e sinais de artrite grave. A mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos. Só raros privilegiados alcançavam 50 ou 60 anos de idade. Essa parca alimentação é coerente com relatos como o da multiplicação dos pães, no Evangelho de Mateus, no qual os discípulos, preocupados com a fome de uma multidão que seguia Jesus, mostram ao mestre cinco pães e dois peixes, todo o alimento de que dispunham.

A Virgem, o Menino e Santa Ana, por Leonardo da Vinci, 1510, Museu do Louvre, Paris, França


Se alguém presenciasse o nascimento de Jesus, provavelmente iria deparar com um bebê de feições bem diferentes da criança de pele clara que costuma aparecer nas representações dos presépios. Baseados no estudo de crânios de judeus da época, pesquisadores dizem que a aparência de Jesus seria mais próxima da de um árabe (de cabelos negros e pele morena) que da dos modelos louros dos quadros renascentistas. Seu nome, Jesus, uma abreviação do nome do herói bíblico Josué, era bastante comum em sua época. Ainda na infância, deve ter brincado com pequenos animais de madeira entalhada ou se divertido com rudimentares jogos de tabuleiro incrustados em pedras. Quanto à família de Jesus, os pesquisadores não acreditam que ele tenha sido filho único. Afinal, era comum que famílias de camponeses tivessem mais de um filho para ajudarem na subsistência da família. Isso poderia explicar o fato de os próprios evangelhos falarem em irmãos de Jesus, como Tiago, José, Simão e Judas. As igrejas Ortodoxa e Católica preferiram entender que o termo grego adelphos, que significa irmão, queria dizer algo próximo de discípulo, primo.

Assim como outros jovens da Galiléia, é provável que ele não tenha tido uma educação formal ou mesmo a chance de aprender a ler e escrever, privilégio de poucos nobres. Ainda assim, nada o impediria de conhecer profundamente os textos religiosos de sua época, transmitidos oralmente por gerações.

E quanto à profissão de Jesus? Historiadores dizem que, baseado nas parábolas atribuídas a ele, é muito provável que Jesus tenha sido um camponês. Sua pregação está repleta de imagens detalhadas da vida agrícola. É quase impossível que esse grau de detalhamento possa ter surgido de alguém que não lidava dia a dia no campo. Mas José não era carpinteiro e seu filho não o teria seguido na profissão?

O professor de Ciências da Religião Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo, diz que a palavra carpinteiro (tekton) usada no Novo Testamento pode significar também "biscateiro", no sentido de uma classe inferior que faz serviços manuais. "É o que chamamos atualmente do trabalhador pau-pra-toda-obra." Uma das hipóteses levantadas pelos arqueólogos é de que Jesus pode ter trabalhado no campo e, eventualmente, atuado em algumas obras de construção civil. Os arqueólogos descobriram que, a apenas 6 quilômetros de Nazaré, uma série de novos edifícios em estilo greco-romano estava sendo construída na cidade de Séforis. "É possível que Jesus tenha trabalhado lá", diz Vasconcellos. A construção era apenas uma das várias obras que estavam sendo erguidas na época.

Além das intervenções em Séforis, os edifícios construídos nas cidades de Tiberíades e Cesaréia Marítima (nome dado em homenagem ao imperador Júlio César) tornavam a região cada vez mais parecida com as cidades romanas. O problema é que todas essas obras representavam um fardo a mais aos camponeses pobres, que já pagavam muitos impostos. Não é à toa que surgiram nesse período vários movimentos populares de contestação ao poder romano, do qual Jesus era mais um representante.


Tentação de Cristo por Ary Scheffer, pintura do século XIX


Política, religião e sexo

Desde aquele tempo, a região em que Jesus vivia já era, digamos, um tanto explosiva. O confronto não se dava, é claro, entre judeus e muçulmanos. A disputa envolvia grupos judaicos e os interesses de Roma, cujo império era o equivalente, na época, ao que os Estados Unidos são hoje. E, assim como grupos religiosos do Oriente Médio resistem atualmente à ocidentalização dos seus costumes, diversos grupos judaicos da época se opunham à influência romana sobre suas tradições. Na verdade, fazia séculos que os judeus lutavam contra o domínio de povos estrangeiros. Antes de os romanos chegarem, no ano 63 a.C., eles haviam sido subjugados por assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas e ptolomeus. Os judeus sonhavam com a ascensão de um monarca forte como fora o rei Davi, que por volta do século 10 a.C. inaugurara um tempo de relativa estabilidade. Não à toa, Davi ficaria lembrado como o messias (ungido por Javé) e, assim como ele, outros messias eram aguardados para libertar o povo judeu.

A resistência aos romanos se dava de maneiras variadas. A primeira delas, e mais feroz, era identificada como simples banditismo. Nessa categoria estavam bandos de criminosos formados por camponeses miseráveis que atacavam comerciantes, membros da elite romana ou qualquer desavisado que viajasse levando uma carga valiosa.

Além do banditismo, havia a resistência inspirada pela religião, principalmente a dos chamados movimentos apocalípticos. De acordo com os seguidores desses movimentos, Israel estava prestes a se libertar por uma intervenção direta de Deus, que traria prosperidade, justiça e paz à região. A questão era saber como se preparar para esse dia.

Alguns grupos, como os zelotes, acreditavam que o melhor a fazer era se armar e partir para a guerra contra os romanos na crença de que Deus apareceria para lutar ao lado dos hebreus. Para outros grupos, como os essênios, a violência era desnecessária e o melhor mesmo a fazer era se retirar para viver em comunidades monásticas distantes das impurezas dos grandes centros. E Jesus, de que lado estava?

É quase certo que Jesus tenha tido contato com ao menos um líder apocalíptico de sua época, que preparava seus seguidores por meio de um ritual de imersão nas águas do rio Jordão, e este líder era, João Batista.

O curioso é que, para a maioria dos pesquisadores, o movimento apocalíptico de João Batista deve ter sido mais popular, em seu tempo, do que a própria pregação de Jesus. Os historiadores acreditam que é bem provável que Jesus, de fato, tenha sido batizado por João Batista nas margens do rio Jordão, e que o encontro deve ter moldado sua missão religiosa dali em diante.

Apesar de não haver nenhuma restrição para que um líder religioso judeu tivesse relações com mulheres em seu tempo, ninguém sabe ainda se entre as práticas espirituais de Jesus estaria o celibato. Da mesma forma, afirmar que ele teve relações com Maria Madalena, como no enredo de livros como O Código Da Vinci, também não passaria de uma grande especulação.


O Batismo de Cristo, quadro de Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci


Uma morte marginal

Pesquisadores são categóricos em afirmar: a morte de Jesus na cruz em seu tempo foi muito menos perturbadora para o Império Romano do que se costuma imaginar. Os pesquisadores desapontam os cristãos que imaginam a crucificação como um evento que causara, em seu tempo, uma comoção generalizada, como naquela cena do filme O Manto Sagrado em que nuvens negras escurecem Jerusalém e o mundo parece prestes a acabar. Apesar de ter sido uma tragédia para seus seguidores e familiares, a morte do judeu Yesua deve ter passado praticamente despercebida para quem vivia, por exemplo, no Império Romano. Ou seja: se existisse uma rede de televisão como a CNN, naquele tempo, é bem possível que a morte de Jesus sequer fosse noticiada. E, caso fosse, dificilmente algum estrangeiro entenderia bem qual a diferença da mensagem dele em meio a tantas correntes do judaísmo do período – assim como poucas pessoas no Ocidente compreendem as diferenças entre as diversas correntes dentro do Islã ou do budismo.

Os pesquisadores sabem, no entanto, que Jesus não deve ter escolhido por acaso uma festa como a Páscoa para fazer sua pregação em Jerusalém. A data costumava reunir milhares de pessoas para a comemoração da libertação do povo hebreu do Egito. No período que antecedia a festa, o ar tornava-se carregado de uma forte energia política. Era quando os judeus pobres sonhavam com o dia em que conseguiriam ser libertados dos romanos.


O Sermão da Montanha, Carl Heinrich Bloch, Copenhague, séc. XIX


Para a elite judaica que vivia em Jerusalém, contudo, as manifestações anti-Roma não eram nada bem-vindas. Afinal, como ela se beneficiava da arrecadação de impostos da população de baixa renda, boa parte dela tinha mais a perder que a ganhar com revoltas populares que desafiassem os dirigentes romanos, cujos estilos de vida eram copiados por meio da construção de suntuosas vilas (espécie de chácaras luxuosas) nas cercanias de Jerusalém.

A própria opulência do Templo do Monte de Jerusalém, reconstruído por Herodes, o Grande, parecia uma evidência de que a aliança entre os romanos e os judeus seria eterna. A construção era impressionante até mesmo para os padrões romanos, o que fazia de Jerusalém um importante centro regional em sua época.

Em meio às festas religiosas, o comércio da cidade florescia cada vez mais. Vendia-se de tudo por lá, incluindo animais para serem sacrificados no templo. Os mais ricos podiam comprar um cordeiro para ser sacrificado e quem tivesse menos dinheiro conseguia comprar uma pomba no mercado logo em frente. A cura de todos os problemas do corpo e da alma (na época, as doenças eram relacionadas à impureza do espírito) passava pela mediação dos rituais dos sacerdotes do templo.

Não é difícil imaginar a afronta que devia ser para esses líderes religiosos ouvir que um judeu rude da Galiléia curava e livrava as pessoas de seus pecados com um simples toque, sem a necessidade dos sacerdotes. A maioria dos pesquisadores concorda que atos subversivos como esses seriam suficientes para levar alguém à crucificação.

Quase tudo o que os pesquisadores conhecem sobre a crucificação deve-se à descoberta, em 1968, do único esqueleto encontrado de um homem crucificado em Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém. Após uma análise dos ossos, eles concluíram que os calcanhares do condenado foram pregados na base vertical da cruz, enquanto os braços haviam sido apenas amarrados na travessa. A raridade da descoberta deve-se a um motivo perturbador: a pena da crucificação previa a extinção do cadáver do condenado, já que o corpo do crucificado deveria ser exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. A idéia era evitar que o túmulo do condenado pudesse servir de ponto de peregrinação de manifestantes. De qualquer forma, a descoberta desse único esqueleto preservado prova que, em alguns casos, o corpo poderia ser reivindicado pelos parentes do morto, o que talvez tenha acontecido com Jesus.


Diego Velázquez, Cristo crucificado, 1631


O que aconteceu após sua morte? Para os pesquisadores, a vida do Jesus histórico encerra-se com a crucificação. A ressurreição é uma questão de fé, não de história.

Tudo o que os historiadores sabem é que, apesar de pequeno, o grupo de seguidores de Jesus logo conseguiria atrair adeptos de diversas partes do mundo. E foi um dos novos convertidos, um ex-soldado que havia perseguido cristãos e ganhara o nome de Paulo, que se tornaria uma das pedras fundamentais para a transformação de Jesus em um símbolo de fé para todo o mundo. Com sua formação cosmopolita, Paulo lutou para que os seguidores de Jesus trilhassem um caminho independente do judaísmo, sem necessidade de obrigar os convertidos a seguirem regras alimentares rígidas ou, no caso dos homens, serem obrigados a fazer a circuncisão. A influência de Paulo na nova fé é tão grande que há quem diga que a mensagem de Jesus jamais chegaria aonde chegou caso ele não houvesse trabalhado com tanto afinco para sua difusão.

Mesmo para quem não acredita em milagres, não há como negar que Paulo e os outros seguidores de Jesus conseguiram uma proeza e tanto: apenas três séculos após sua morte, transformaram a crença de uns poucos judeus da Palestina do século I na religião oficial do Império Romano. Por essa época, a vida do judeu Yesua já havia sido encoberta pela poderosa simbologia do Cristo: os judeus costumavam sacrificar animais como cordeiros no templo para se purificarem. Ao morrer na cruz, Cristo torna-se o símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar o pecado do mundo. Desde então, a história de boa parte do mundo está dividida entre antes e depois de sua existência.


Garofalo - Ascensão de Cristo, 1510-20


Escavando Jesus

Dois mil anos embaixo da terra
Objetos de cozinha, brinquedos, ferramentas de trabalho e documentos: escavações na Palestina, Iraque, Roma e Turquia revelam como era a vida no tempo de Jesus

Diversão infantil
Conhecidos desde o século VII a.C., bonecos de barro com formas de animais eram brinquedos comuns na Galiléia, no tempo de Jesus

Iluminação
A luz interna das casas era feita por lamparinas a óleo.

Passatempo
Foi encontrado em Hazor, cidade bíblica no norte da Palestina, um jogo que tinha um  tabuleiro de pedra e peões e dados feitos de ossos.

Antes do plástico
Potes de cerâmica serviam para quase tudo. Os  menores e com alças, achados em Megido, tinham vestígios de vinho

À mesa
A decantadeira de cerâmica – achada em 1905, no atual Israel – era usada para servir vinho, cerveja ou azeite

Oliveira
Moinhos encontrados em Cafarnaum, na Galiléia, movidos por tração humana ou animal, eram usados para obter azeite

Despensa
Jarros maiores de cerâmica serviam para guardar comida, principalmente grãos como a cevada e o trigo

Âncoras de pedra
Feitas no século I e achadas no mar da Galiléia, estas foram usadas por pescadores e comerciantes

Manuscritos
A escrita era para poucos. E a maioria dos textos eram religiosos. Como o "Fragmento Trever", parte dos Manuscritos do Mar Morto.

Sandálias
Algumas encontradas em Massada (Israel), tinham solado e palmilhas de couro e cadarços de tecido.

Graal
Feitos de cerâmica, estes eram os copos usados no século I

Dinheiro
Moeda de bronze do reino de Herodes, o Grande, do século I a.C.

Pesagem
Canecas de pedra eram usadas como medida no mercado de Jerusalém


Nossa Senhora e Ísis

De onde pode ter se originado uma das mais belas imagens cristãs
Se você acha que conhece a imagem ao lado, é bom dar uma olhada com um pouco mais de atenção. À primeira vista, ela parece, de fato, representar a Nossa Senhora embalando o menino Jesus. Mas não é. A imagem da estátua é uma representação da deusa egípcia Ísis oferecendo o peito a seu filho Hórus. Apesar de não haver como provar que as imagens de Nossa Senhora tenham sido inspiradas diretamente em representações como essa, os pesquisadores sabem que o cristianismo sofreu, em seus primórdios, a influência de diversos cultos que faziam parte dos mundos egípcio e greco-romano. Desde seu início, o cristianismo tinha uma diversidade assombrosa. Na região do Egito, por exemplo, prevalecera o chamado cristianismo gnóstico, cujos textos revelam um Jesus bem mais parecido com um monge oriental. Alguns historiadores acreditam até que alguns cristãos gnósticos possam ter sido influenciados por missionários budistas vindos da Índia.


Leonardo da Vinci, Madonna Litta

O luxo que vem de Roma

Diferentemente de Jesus, nobres judeus viviam muito bem, obrigado
Para a elite judaica que vivia na Palestina do século I, levar uma vida com requinte e elegância era sinônimo de viver como os romanos. Escavações arqueológicas em Jerusalém e outras cidades indicam uma clara influência da arquitetura e da decoração de Roma no interior das mansões. Para criar uma atmosfera palaciana, era comum, no interior das casas, a reprodução de afrescos e desenhos decorativos com motivos florais e geométricos. Em ambientes maiores, as colunas no estilo romano eram indispensáveis, assim como o uso de mármore para o acabamento dos detalhes – quem não podia pagar pelo mármore usava uma tinta de cor parecida para manter a aura palaciana. Fontes, vasos vitrificados e pisos de mosaico colorido também faziam parte do sonho de consumo dos novos ricos de Jerusalém, que costumavam receber os amigos influentes recostados confortavelmente no triclinium, espécie de divã usado na hora das refeições. Resquícios da importação de vinhos e outros ingredientes nobres da cozinha mediterrânea, como o garum, um molho especial de peixe típico da cidade de Pompéia, também foram encontrados no interior das mansões. Algumas delas deviam ter uma vista privilegiada para o Templo de Jerusalém, de onde os nobres podiam assistir confortavelmente à movimentação dos peregrinos ou mesmo à condenação à morte de rebeldes judeus.

Os outros messias
Os líderes religiosos judeus que não emplacaram na história
Ilustação de Herodes, o Grande
Na época de Jesus, a figura do messias esperado para libertar o povo judeu era muito diferente da nossa atual concepção do messias cristão. Para início de conversa, o messias do povo hebreu não precisava ser nenhum santo. Podia ter várias mulheres (como tivera o rei Davi) e devia empregar a violência, caso fosse necessário, para garantir a autonomia do povo hebreu frente a seus inimigos. Não é à toa que, décadas antes e depois da morte de Jesus, diversos outros homens identificados como messias lideraram movimentos religiosos na região. Por volta do ano 4 a.C., por exemplo, um homem conhecido como Judas, filho de Ezequias, liderou uma revolta contra Herodes na cidade de Séforis, na Galiléia. Judas e seus seguidores chegaram a invadir um palacete na cidade para roubar armas para seu exército de oposição aos romanos. No mesmo ano, outras revoltas foram desencadeadas pelos líderes messiânicos Simão e Astronges. O principal objetivo desses movimentos era derrubar a dominação romana e restaurar os ideais tradicionais do povo hebreu. Na década de 60 do século I, o líder Simão Bar Giora organizou um exército de camponeses que chegou a assumir o controle de diversas regiões da Palestina daquele século. De acordo com os historiadores, o último e mais famoso líder messiânico a comandar uma revolta contra os romanos na região foi o judeu Bar Kokeba. Entre os anos 132 e 135, Kokeba teria liderado uma batalha sem precedentes contra os romanos, conquistando territórios por meio de uma tática de guerrilha que incluía esconderijos em cavernas e construção de fortalezas em montanhas. A rebelião somente foi aniquilada depois que o poderoso Exército romano mobilizou uma força maciça para pôr fim à guerra que se arrastava pelo terceiro ano. Não deixa de ser emblemático o fato de que o pacífico Jesus de Nazaré tenha ficado para a história como o “verdadeiro messias” – logo ele, que nunca liderara um exército.



Fontes: Revistas Aventuras na História e Super Interessante
             Novo Testamento e minha cachola, é claro! :D


                                                                                                      LeandroMatos

terça-feira, 29 de março de 2011

(Rei?) Arthur, o grande herói da Bretanha

No mundo real, o dono da lendária Excalibur talvez não fosse rei nem se reunisse com seus cavaleiros em torno da távola redonda, mas organizou uma resistência sem precedentes contra os bárbaros que ameaçavam sua terra e seu povo.

Para a maioria dos europeus, o fim do mundo talvez nunca tenha estado tão próximo quanto lá pelo fim do século V. A única ordem que a região havia conhecido por quase 500 anos – o poder de Roma – tinha virado pó depois de uma longa agonia e o futuro parecia pertencer aos bandos de bárbaros do norte e do leste, fundando reinos que brotavam e sumiam como cogumelos nas terras do antigo império. Mas havia um lugar em que a vida não estava sendo nada fácil para os invasores. Na ilha da Bretanha, os ex-súditos de Roma montaram a resistência mais bem-sucedida da Europa e detiveram a maré bárbara por décadas. Cada vez mais parece provável que um líder militar poderoso conduziu os bretões, um guerreiro que iria virar lenda: ARTHUR.

A figura que está emergindo das brumas do ano 500 muito provavelmente não era um soberano e com certeza jamais botou os pés num castelo. Mesmo assim, existem paralelos intrigantes entre o Arthur lendário e o do mundo real, que podem incluir detalhes como o local de nascimento, a morte nas mãos de um conterrâneo bretão e, segundo uma das teorias mais polêmicas, até batalhas travadas do outro lado do canal da Mancha, em pleno território da atual França.

Muito antes da carreira militar de Arthur, a Bretanha romana (que correspondia mais ou menos à Inglaterra, ao País de Gales e ao sul da Escócia de hoje) já andava em maus lençóis havia um bom tempo. Em parte, isso era culpa dos próprios soldados que deviam comandar a defesa da ilha: volta e meia a Bretanha exportava um general que almejava tonar-se imperador, como o famoso Magnus Maximus, que chegou perto de conseguir seu intento antes de ser derrotado no ano 388. Esses sujeitos arrastavam consigo os exércitos responsáveis por patrulhar a província, deixando-a cada vez mais vulnerável aos ataques dos bárbaros.

Esse problema era endêmico em todo o império na época, mas, no caso da Bretanha, o incômodo era triplo. Do norte da Alemanha e do sul da Dinamarca vinham tribos germânicas, os anglos, saxões e jutos, falantes de dialetos ancestrais do inglês de hoje. Do nordeste da Escócia atacavam os escotos e os pictos, guerreiros violentos que lutavam de um jeito selvagem, seminus, com o corpo coberto por tatuagens. Para completar a desgraça, havia os escotos da Irlanda, que também eram um povo celta como seus primos bretões e gauleses, mas tinham ficado de fora do domínio romano.


Rei Arthur e Sir Lancelot, por William Morris


Muita gente costuma imaginar que, em dado momento, Roma acabou desistindo de manter a ilha dentro de seus domínios, já que tinha de se preocupar com a própria sobrevivência, e abandonou a Bretanha. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário: os bretões se cansaram de ser deixados na mão por mais um general que queria virar imperador, nesse caso, Constantino III, e declararam independência. A idéia de que a ilha ficou indefesa porque os romanos retiraram suas legiões não passa de um mito. As legiões foram embora porque Constantino as levou com ele para tentar conquistar o continente, sem sucesso, e a mudança seguinte no status da Bretanha foi ativa, e não passiva. O imperador legítimo, Honório, reconheceu a independência da região em 410, numa carta em que delegou às cidades bretãs a responsabilidade de se defenderem militarmente.


Uma faca de dois gumes 


Parecia ousadia demais dos bretões. E era mesmo. A estratégia de defesa que a Bretanha independente passou a adotar seguia os padrões dos romanos em seus anos finais de dominação: contratar mercenários bárbaros, normalmente germânicos, para fazer o trabalho sujo. Muitos deles eram saxões, parentes dos invasores, como mostra a presença de fivelas de cintos militares típicos desse povo em sítios arqueológicos da época.

Sujeitos ambiciosos e com alguma tradição de liderança aproveitaram o momento para ganhar poder. Os aristocratas nativos tinham se romanizado, mas, quando a ligação com Roma foi cortada, as antigas tradições de nobreza retornam com força. Os bretões eram muito conservadores nesse sentido.Um desses homens, chamado Vortigern, parece ter conseguido se tornar superbus tyrannus (“governante supremo”, em latim) de boa parte da Bretanha por volta do ano 430.


Tapeçaria com Artur como uma das nove pessoas respeitáveis, 1385.

 
Mas algo deu muito errado. Talvez os mercenários saxões não tenham sido pagos, ou talvez apenas tenham percebido que seria fácil tomar mais do que os bretões lhes haviam prometido. O fato é que o tiro saiu pela culatra, e os saxões se apossaram de terras por todo o leste da atual Inglaterra. Mais e mais levas deles vinham se juntar aos que já estavam na Bretanha, e os ataques de pictos e escotos voltaram com força total. Os bretões chegaram a pedir a ajuda de Roma, numa carta desesperada ao general Aetius: “A Aetius, três vezes cônsul, os lamentos dos bretões. Os bárbaros nos empurram para o mar; o mar nos empurra de volta para os bárbaros. Entre esses dois tipos de morte, somos ou afogados ou assassinados”, dizia a mensagem, datada de 446. Às voltas com os hunos de Átila batendo nos portões de Roma, Aetius não tinha como ajudar.

Rei Artur, Igreja da Corte, Innsbruck
É uma tarefa ingrata reconstruir o que aconteceu nas décadas seguintes. Além dos restos arqueológicos (que dizem pouco sobre pessoas ou batalhas específicas), tudo o que temos são anais compilados por monges na Bretanha e na Gália, às vezes séculos depois dos eventos narrados, e o apocalíptico De Excidio et Conquestu Britanniae (Da Destruição e Conquista da Bretanha), do também religioso Gildas. Esse livro tem, pelo menos, a vantagem de ter sido escrito mais ou menos perto dos eventos narrados, lá pelo ano 530. A principal preocupação de Gildas era moralizante (o monge diz que os bretões andavam levando a pior por causa de seus pecados), mas, no meio de tanto sermão, há também informações preciosas.

Segundo o monge, os bretões finalmente conseguiram iniciar uma resistência, sob o comando de um certo Ambrosius Aurelianus. Gildas o descreve como um homem decente, e afirma que seus pais usavam a púrpura, o que é uma indicação de que eles eram de uma família romana de origem nobre. A partir daí, a briga ficou indefinida, com vitórias de um lado e de outro, até que os bretões conseguiram um grande triunfo, num lugar chamado monte Badon (Gildas não deixou claro se foi Ambrosius quem conduziu os bretões nessa vitória). Dali por diante, os bretões teriam conseguido uma trégua de quase meio século. Textos compilados séculos mais tarde, provavelmente com base em antigos anais do século V, não deixam dúvidas sobre quem teria sido o vencedor de Badon: seu nome era Arthur.

Num dos raros momentos em que dá para comparar dados históricos com os da arqueologia, parece que ao menos o esquema básico dessa narrativa está correto: pesquisadores como John Hines, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, verificaram que os cemitérios saxões (caracterizados pelas jóias e armas típicas dos mortos) avançam progressivamente para o oeste, sinalizando a expansão dos invasores, até pararem de repente por volta do ano 500. O avanço só recomeça meio século depois. Alguém ou algo deteve os saxões – resta saber se o fenômeno atende mesmo pelo nome de Arthur.
Curiosamente, outras pistas quase contemporâneas sobre o líder bretão são exatamente isso: nomes. 

Praticamente não há menção a pessoas chamadas “Arthur” na Bretanha antes de Badon, mas o nome, de repente, se torna um dos favoritos da nobreza nos dois séculos seguintes. Há uma série de breves referências a reis e príncipes galeses e irlandeses chamados Arthur a partir do fim do século VI. Nenhum desses homens deve ser o Arthur histórico, mas o que eles mostram é que o nome se tornou popular entre as famílias reais, e que pode ter havido um Arthur famoso que inspirou o batismo deles. O poema épico “Y Gododdin”, provavelmente do século VI, cita Arthur como modelo de bravura em combate. Dali por diante, o guerreiro começa a ser chamado de rei e vira presença constante nas lendas galesas, até ser transformado na figura cavalheiresca e mágica que conhecemos, com Merlin, Guinevere e tudo o mais, pelo clérigo Geoffrey de Monmouth, num livro de 1136.


Rainha Guinevere, por William Morris


Lendas, mitos e tradições

É nesse ponto que comparar a lenda com a história começa a se tornar um exercício útil. Diz a tradição, por exemplo, que Arthur teria nascido no castelo de Tintagel, na Cornualha (região sudoeste da Inglaterra). Acontece que escavações e análises feitas no final dos anos 90 nessa região mostraram que, de fato, Tintagel foi o lar de um nobre poderoso no fim do século V. Havia ali um movimentado porto, que comerciava com a Gália (atual França), a Itália e o norte da África. Quem quer que habitasse o lugar podia pagar pelo luxo de beber vinho e usar azeite do Mediterrâneo, carregados em vasilhas de fina cerâmica. Mas a descoberta mais impressionante no local foi uma laje de pedra com uma espécie de assinatura de quem mandou construir o lugar: Artognou (pronuncia-se “Arthnou”). No mínimo, é uma coincidência das grandes.

A 100 quilômetros de Tintagel, escavações que se sucedem desde os anos 60 têm mostrado que a região de Cadbury, identificada como a lendária Camelot há séculos, realmente abrigou a maior praça forte da Bretanha nos séculos V e VI. Um colosso com muralhas de madeira e pedra que iam subindo, em círculos, as encostas de uma colina até terminar num portão, cercado por torres.


Tudo indica, então, que as áreas por onde Arthur andava ainda eram prósperas e bem guarnecidas militarmente. Mas será que ele as governava? Arthur deve ter sido um nobre bretão, mas as referências mais antigas às batalhas vencidas por ele, no manuscrito do século VI conhecido como Historia Brittonum (“História dos Bretões”), de autoria desconhecida, o chamam de dux bellorum, “líder de batalhas”, e dizem que ele lutava ao lado dos reis bretões. Esse texto também mostra que a imagem de Arthur como um herói cristão é muito antiga: numa de suas vitórias, ele teria carregado uma imagem de Nossa Senhora. Em Badon, teria empunhado “a cruz de Nosso Senhor Jesus” (provavelmente uma referência a um amuleto muito comum na época: um pedaço de madeira supostamente retirado da cruz em que Cristo morreu). Ser um líder guerreiro, na época, significava trabalhar muito. Lutava-se um tipo de guerra altamente móvel e sobre qualquer terreno. A maioria de suas tropas provavelmente era montada e lutava com espadas, lanças e dardos, aproximando-se do inimigo numa série de investidas, e não numa carga de cavalaria coordenada, por isso, a famosa cavalaria de Arthur é vista como algo fantasioso pelos historiadores.


O último sono de Arthur, por Sir Edward Burne-Jones

 
Até a idéia de que Arthur teria levado um exército para a Gália, por séculos considerada uma invenção de Geoffrey de Monmouth, tem sido reconsiderada. Para especialistas, registros sobre um chefe bretão chamado Riothamus, que levou 12 mil homens para ajudar os romanos contra os visigodos, poderiam, na verdade, se referir a Arthur. É que Riothamus aparenta ser não um nome, mas um título, significando “rei supremo”. No entanto, como a aventura de Riothamus data de 470 e ele desaparece logo depois, fica difícil reconciliá-lo com a vitória de Arthur em Badon (por volta do ano 490).

O fim de Arthur registrado por antigos textos galeses oferece mais uma conexão intrigante entre história e lenda. No mito, o rei teria sido traído por seu sobrinho, Mordred, conseguiu matá-lo em combate, mas recebeu um ferimento letal. Os anais registram “a contenda de Camlann, em que Arthur e Medraut [Mordred?] pereceram”. Nos dois séculos seguintes, os bretões seriam cada vez mais empurrados para o oeste, embora sempre lutassem para preservar sua identidade, ainda viva no País de Gales de hoje.

No fundo, os detalhes passíveis de recuperação são poucos para uma vida que inspirou tantas lendas. É difícil imaginar que em algum dia teremos mais informações seguras sobre o Arthur histórico além das que já conhecemos e, para falar a verdade, isso não parece um problema. Há uma mágica em torno do personagem que é parte de seu fascínio. Considerando os ideais de cavalheirismo e resistência que essa mágica inspirou, não dá para dizer que Arthur não concordaria.


A Dama do Lago oferecendo a Arthur a espada Excalibur.


 Mito e história lado a lado

Os elementos da lenda que até podem ter uma base factual e os que são pura invenção


PODE ATÉ SER:

Excalibur e o lago

Prestes a morrer, Arthur manda que joguem sua espada num lago. Esse era um costume comum entre os antigos soberanos celtas.

Tor, Glastonbury
Avalon

O melhor candidato para ser a ilha de Avalon é Glastonbury, que hoje fica em terra firme. Mas estudos mostram que no século V, com as cheias, o local ficava ilhado.

Espada na pedra

O mito de que o jovem Arthur retirou sua espada de uma pedra remonta à Idade do Bronze, quando elas eram forjadas em moldes de pedra.

Tristão

Na lenda, ele é um dos cavaleiros. Uma lápide do século VI, encontrada na Cornualha, tem o nome Drustanus, a forma céltica original de Tristão.


NÃO É DE JEITO NENHUM:

Castelo de Camelot

Os bretões do ano 500 usavam técnicas toscas de construção e até palácios e igrejas eram feitos de madeira. Camelot certamente não era um castelo.

Lancelot e Guinevere

O amor entre a esposa do rei e seu melhor amigo é uma invenção medieval, criada pelo poeta francês Chrétien de Troyes, no século XII.

Cavalaria

O Arthur histórico provavelmente lutou a cavalo, mas o conceito medieval das ordens de cavalaria só iria aparecer séculos mais tarde.

Merlin

Os romanos perseguiram ferozmente os druidas (sacerdotes celtas), e nenhum deve ter sobrado nos séculos V e VI, ainda mais com tanto poder sobre um rei.


Os outros "Arthurs" 



Teorias sobre a verdadeira face de Arthur nunca faltaram. Conheça algumas das principais interpretações sobre o personagem:

Guerreiro bretão

Para os defensores dessa tese, Arthur teria sido um bretão com poucas influências de Roma, e talvez nem pudesse ser considerado cristão. Seu principal campo de atuação teriam sido os reinos celtas do norte da Bretanha, no território da atual Escócia, e seus inimigos foram os invasores anglos do reino de Nortúmbria. Tudo indica, no entanto, que a cultura romana e principalmente o cristianismo já estavam bastante espalhados pela elite bretã da época, o que torna essa versão improvável

Último romano

Argumentando que Gildas não cita o nome de Arthur e que as referências ao personagem são todas muito tardias, alguns estudiosos preferem considerar Ambrosius Aurelianus como o melhor candidato a "Arthur histórico". Nesse caso, o grande líder da resistência bretã seria descendente direto de uma família nobre romana e teria tentado manter as conexões da ilha com o antigo Império, ao mesmo tempo em que teria combatido o surgimento de heresias cristãs na Bretanha

Cavaleiro bárbaro

Essa tese é baseada na presença de um oficial da cavalaria romana, Lucius Artorius Castus, na Bretanha do século II. Ele liderou um grupo de cavaleiros sármatas (bárbaros da Europa oriental) numa série de batalhas que parecem bater com as do Arthur lendário. Essa, aliás, é a versão escolhida pelo filme Rei Arthur – só que no filme a história se passa no século V mesmo, e Arthur é meio romano e meio bretão. Enfim, Hollywood adora uma mistureba. :D

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É muito difícil saber a verdade sobre Arthur. Mas o mais importante não é saber até onde vai a história e começa a lenda. O que realmente importa é o que Arthur representa. O herói genuíno que lutou por sua terra e por seu povo. Ser ou não ser rei não tem importância, pois as façanhas e aventuras de Arthur, tanto as verdadeiras quanto as fantasiosas, estarão para sempre cravadas nas nossas mentes, o símbolo que ele representa é o que será para sempre lembrado.


Fonte: Revista "Aventuras na História"

                                                                                                     Leandro Matos

sexta-feira, 25 de março de 2011

Entendendo a Antimatéria


Em alguns laboratórios pelo mundo vários cientistas trabalham sem parar para produzir a força mais destrutiva já vista no Universo: a antimatéria.

Um desses laboratórios é o Fermilab, em Batavia, uma cidade perto de Chicago. Lá, usando imensos anéis magnéticos que aceleram partículas, o etéreo conceito de antimatéria ganha ares de realidade. Surgem essas antipartículas que quase não são encontradas no Universo. Isso mostra que se acabou o tempo em que valia aquela explicação de escola: O próton tem carga elétrica positiva e o elétron tem carga elétrica negativa.

A idéia de que pudesse existir algo assim surgiu no final dos anos 20 e seu pai foi o físico inglês Paul Dirac (1902-1984). Já havia sido divulgada há algum tempo a Teoria da Relatividade, pela qual Albert Einstein ensinou que matéria e energia são intercambiáveis, ou seja, podem se transformar uma na outra. Dirac começou investigando as partículas do átomo, entre elas os elétrons, à luz da Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica.

Seu objetivo sem dúvida ambicioso era descobrir em um denominador comum a ambas. Nesse trabalho conseguiu desenvolver fórmulas e equações matemáticas que, efetivamente, são úteis tanto no campo da Relatividade quanto no da Mecânica Quântica.

Paul Dirac
Dirac verificou que uma dessas equações não descrevia apenas o comportamento dos elétrons, como ele esperava, mas também oferecia soluções que não se acomodavam às regras da Física comum. Afinal Dirac descobriu o nó da questão - as partículas com as quais estava trabalhando não eram elétrons normais: sua massa era exatamente a de um elétron comum, mas sua carga elétrica era positiva, em vez de negativa. Parecia, em suma, uma imagem refletida no espelho, um elétron ao contrário. Um antielétron.

Algum tempo depois o físico norte-americano Carl Anderson, quando fazia experiências com radiação cósmica, conseguiu demonstrar que os antielétrons existiam de fato. Tais partículas receberam então o nome de pósitrons - e Anderson, por isso, ganhou um prêmio Nobel em 1936.

O avanço das pesquisas mostrou que não só o elétron tinha sua versão “transformers”, mas todas as partículas, prótons, nêutrons e até seus constituintes, os quarks possuíam antipartículas, e são essas antipartículas que formam a antimatéria. É como se houvesse todo um esquema alternativo para a construção do Universo. Um esquema em que antipartículas dariam origem a antiátomos que formariam antiplanetas e antipessoas... Mas essa idéia foi desprezada pela natureza logo que o Cosmos nasceu. Os astrônomos, para onde quer que olhassem, só viam matéria. A antimatéria havia sido quase que totalmente ignorada. Hoje só aparece um número pequeno de partículas em jatos de energia que vagam pelo espaço - foi analisando esses raios que Anderson encontrou seus pósitrons.

Atualmente já é possível produzir antipartículas em laboratório, em condições controladas. O Centro Europeu de Investigação Nuclear (CERN), em Genebra, produz antiprótons, conservados em campos magnéticos para dedicadas experiências.

Carl David Anderson
Observamos que se encontra antimatéria em pouquíssima quantidade, e o maior mistério de todos é que não deveria ser assim. Logo depois do big-bang, o Universo era energia pura. Boa parte dessa energia se transformou em matéria por isso estamos aqui. Só que, quando energia vira matéria, a teoria diz que iguais quantidades de partículas e antipartículas deveriam ser produzidas.

Mas isso não aconteceu na época do big-bang. Se a explosão que deu origem ao Universo tivesse produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria, não estaríamos aqui. Isso porque partículas e antipartículas se aniquilam quando entram em contato. O que era matéria e antimatéria se tornam energia novamente. Sendo assim, não sobraria próton nenhum para contar história. Nunca teria nascido uma estrela, planeta ou pessoa sequer, e o Universo voltaria a ser um monótono mar de energia. Mas, por algum mistério isso não aconteceu, e os físicos duelam até hoje com esse enigma. Há pequenas diferenças entre matéria e antimatéria que fazem com que, a cada milhão de antipartículas, surjam um milhão e UMA partículas. Com esse ligeiro descompasso, sobraram migalhas de matéria normal. São elas que formam todo o Universo.


Bem, se a antimatéria é algo quase inexistente no Universo, porque buscá-la tão intensamente?

Por duas razões. Primeiro porque, ao ligarmos na tomada nossos aceleradores de partículas, aprendemos, a duras penas, como fabricar antimatéria. Chegamos até a construir átomos inteiros de anti-hidrogênio (compostos de um pósitron girando ao redor de um antipróton) em nossos laboratórios, a primeira vez que isso aconteceu foi em 1995. E segundo, porque é possível desenvolver aplicações práticas usando antimatéria.

Como é o caso da tomografia por emissão de pósitrons, por exemplo. Essa é uma tecnologia médica para visualizar o interior do corpo, também conhecida como PET Scan na expressão inglesa. Esse tipo de tomografia se baseia justamente na geração de elétrons positivos que, ao interagir com o corpo, produzem imagens 3D.

Ei, mas, se os pósitrons são antimatéria, por que eles não explodem o corpo das pessoas ao entrar em contato com ele numa dessas tomografias? Aí é que está o fato de que os cientistas estão usando versões positivas dos elétrons, significa que eles contêm uma massa e um tamanho tão ridiculamente pequeno quanto o dos elétrons convencionais. Tão pequeno que, do ponto de vista deles, os espaços vazios entre os átomos são enormes. Então eles praticamente passam direto pelas partículas do corpo, os que trombam em alguma coisa resultam em pouquíssima produção de energia. Em suma: ninguém explode.

Mas o caso seria bem diferente se, no lugar de pósitrons usassem antiprótons. Essas partículas têm 1 836 vezes mais massa que os elétrons, tendo um poder muito mais destrutivo.

O Gigantesco acelerador de partículas do CERN


Nos grandes aceleradores de partículas, como o Fermilab, nos EUA, e o CERN, na Europa, os cientistas já estão produzindo e armazenando antiprótons. Como os antiprótons não podem tocar o invólucro em que estão contidos (pois se isso acontecesse ocorreria uma explosão), são utilizados campos magnéticos para aprisioná-los. Eles são submetidos a um aparelho chamado LEAR (sigla em inglês de Light Energy Antiproton Ring ou Anel de Antiprótons de Baixa Energia), que reduz consideravelmente sua velocidade. Domesticados, os antiprótons caem na chamada Armadilha de Penning, onde são continuamente atirados para frente e para trás, por meio de campos magnéticos que evitam que eles se choquem com paredes. Dessa forma os pesquisadores podem agora se dar ao trabalho de pensar em maneiras de utilizar esses antiprótons. Até agora, o único uso é a aplicação em mais experimentos científicos. Mas há quem sonhe com mais.

O Instituto de Investigação da Rand Corporation, nos Estados Unidos, já concluiu um estudo onde registra a possível aplicação da antimatéria em foguetes, armas lançadoras de raios e na alimentação de lasers de raios X. O estudo afirma que a tecnologia para isso poderia ser desenvolvida em cinco anos. Outros estudos patrocinados pela Força Aérea dos Estados Unidos estão em curso, sob protestos da comunidade científica internacional.


A Força Aérea americana, por exemplo, tem gastado milhões de dólares para desenvolver projetos de armas alimentadas por antimatéria. Caso funcionem, esses projetos poderiam dar à luz bombas mais poderosas que as ogivas nucleares. Fala-se também na construção de reatores movidos por ela para a produção de energia elétrica. Faz sentido: um pacote com 10 quilos de antimatéria é capaz de gerar tanta força quanto a Usina de Itaipu trabalhando sem parar por 6 anos.

Entretanto, o uso mais interessante e defendido pelos cientistas para a antimatéria é a construção de espaçonaves capazes de cruzar as vastas distâncias entre as estrelas. Parece coisa de “Jornada nas Estrelas”, em que a nave Enterprise fazia suas viagens interestelares com um motor alimentado por matéria e antimatéria.

O segredo é que, quando matéria e antimatéria se encontram, o resultado é um jato de partículas de energia pura. Se fosse possível produzir a aniquilação de modo que o jato fosse conduzido numa dada direção, a espaçonave seria impulsionada com grande força na direção oposta. É mais ou menos como funcionam hoje nossos foguetes químicos tradicionais, mas com uma quantidade de energia muito maior. Poderia ser mais eficiente também um carro, por exemplo, que movido a antimatéria só precisaria de 1 grama de combustível para rodar 10 mil quilômetros.

Nave Enterprise, seriado Jornada Nas Estrelas

Caso essa tecnologia pudesse ser empregada num vôo espacial, viagens a Marte ou Saturno seriam versões futuristas do que hoje é a ponte aérea Rio-São Paulo. Ainda mais do que isso, essa seria a única maneira conhecida de fazer uma nave com propulsão própria atravessar, num tempo razoável (ou seja, menor que o tempo de vida de um ser humano), a gigantesca distância até as estrelas mais próximas. Com a tecnologia de hoje, só conseguimos construir naves que levariam 80 mil anos para chegar à nossa vizinha Alpha Centauri, a 40 trilhões de quilômetros daqui.

Existe um projeto interessante de construir um motor a base de antimatéria em andamento na Universidade da Pensilvânia. Muito bem bolado, o motor proposto pelo chefe do estudo, Gerald Smith, usaria um raio de antiprótons para energizar um reator nuclear. A grande vantagem desse sistema sobre idéias anteriores é que exige apenas alguns milhares de partículas, quantidade fácil de produzir com a tecnologia existente. Segundo Smith, se a coisa funcionar, e se for possível reduzir o custo do combustível, que é hoje altíssimo, poderá acelerar uma grande nave pilotada a uma velocidade em torno de 100 000 quilômetros por hora e reduzir pela metade o tempo de vôo aos planetas. Uma viagem a Marte levaria cerca de 100 dias. O esforço pode não dar em nada. Mas a idéia de usar a antimatéria como combustível deve continuar sendo uma inspiração para o avanço das pesquisas.




O Alto custo


Tomando por base os esforços do Fermilab, o físico americano Lawrence Krauss, da Case Western Reserve University, fez as contas de quanto poderia custar, numa estimativa otimista, a produção de antimatéria. “Sendo generosos, vamos supor que, com as tecnologias atuais, poderíamos obter de 10 milhões a 20 milhões de antiprótons por dólar”, diz Lawrence. A próxima pergunta é bastante óbvia: quanta energia por esse dólar? Se convertêssemos a massa total de 1 dólar de antiprótons em energia, liberaríamos quase nada: mais exatamente, 1 milésimo de joule, o necessário para aquecer um quarto de grama de água a 1 milésimo de grau Celsius. Isso não é motivo para orgulho”.

É por essa conta que Krauss é extremamente cético a respeito dos futuros planos para a antimatéria. “Até onde eu sei, não ficou mais barato ou fácil produzir antimatéria, e eu acho que provavelmente há fortes razões físicas pelas quais você não pode fazê-la de forma muito mais barata, pelo menos com prótons, afirma Krauss. Então, a conclusão é, não há nenhuma grande nova aplicação que eu consiga imaginar e que seja praticável. Mas nem todo mundo é tão pessimista”.

O americano Steven Howe, por exemplo, promete enviar uma missão não tripulada a Alfa Centauri, a estrela mais próxima do sistema solar, se alguém lhe der apenas 17 gramas de antimatéria. Ele é fundador da empresa Hbar Technologies, que tem por objetivo fomentar aplicações para as antipartículas. Segundo o cientista, não faltam propostas, e a companhia está a todo vapor. Só tem um probleminha: Para obter os 17 gramas que Howe pede, seria preciso pagar a bagatela de 30 quatrilhões de dólares. O PIB mundial, em 2007, fechou em US$ 55 trilhões. Teríamos que aumentar em pouco mais de 500 vezes esse valor e então gastá-lo todo no Fermilab.

Por enquanto este é um pensamento muito difícil e distante, mas Howe não desanima: “Antimatéria é uma tecnologia na sua infância, diz. “Acredito que nas próximas décadas ela terá o mesmo impacto na nossa vida que o chip teve nos últimos 40 anos”.

Bem, já se passaram mais de 50 anos desde que o físico Paul Dirac apresentou ao mundo científico suas equações, mas as investigações sobre a antimatéria estão apenas começando.

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O Futuro é agora

Anti-hélio

Um grupo internacional de cientistas, com participação de brasileiros, criou uma nova forma de antimatéria que é a maior e mais complexa anti-coisa já vista.

Até então, a antimatéria mais complexa e mais pesada já criada era um híbrido de hélio e hidrogênio, um anti-hélio-3, com dois antiprótons e um antinêutron. Agora foram criados núcleos de anti-hélio verdadeiro, contendo dois antiprótons e dois antinêutrons, ou anti-hélio-4.

O anti-hélio foi detectado no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC: RelativisticHeavy Ion Collider), que fica localizado em Upton, no estado de Nova York. O colisor é operado pela Colaboração STAR, que reúne 584 cientistas de 54 instituições de 12 países diferentes.


Detector do RHIC

 
Criação da antimatéria

No ano passado, a equipe STAR anunciou a descoberta do anti-hipertriton, formado por um antipróton, um antinêutron e uma partícula instável chamada anti-lambda. O anti-hipertriton era então a antipartícula mais pesada que se conhecia.

Mas os 18 núcleos de anti-hélio-4 observados agora bateram os recordes anteriores.
Anti-partículas têm carga elétrica oposta à das partículas de matéria ordinária - os antinêutrons, que são eletricamente neutros, são compostos de antiquarks que têm carga oposta à dos quarks normais.

As partículas de antimatéria aniquilam-se no contato com a matéria comum, emitindo um flash de raios gama, o que as torna notoriamente difíceis de encontrar e observar.
Mas isto vem mudando rapidamente. No ano passado cientistas conseguiram capturar a antimatéria pela primeira vez e, há poucas semanas, anunciaram o desenvolvimento de uma garrafa capaz de guardar antimatéria.

No RHIC, os cientistas colidem núcleos atômicos pesados, como chumbo e ouro, para formar bolas de fogo microscópicas, onde a energia é tão densa que podem ser criadas muitas novas partículas.


A anti-tabela periódica. É também conhecida como Quadro 3-D dos Nuclídeos. (Imagem: RHIC)



Anti-Tabela Periódica

"Eles nos levaram para o próximo elemento da anti-tabela periódica," comentou Frank Close, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A Tabela Periódica normal organiza os elementos de acordo com seu número atômico (Z), que determina as propriedades químicas de cada elemento. Os físicos também trabalham com o eixo N, que dá o número de nêutrons no núcleo de cada átomo.

O terceiro eixo representa a estranheza (S), que é zero para toda a matéria que ocorre naturalmente, mas pode ser não-zero no núcleo de estrelas colapsadas.

Os antinúcleos ficam na porção Z e N negativos, e o novo antinúcleo descoberto agora estende a anti-tabela periódica para a região da antimatéria estranha.


Antimatéria sólida

O próximo anti-elemento dessa nascente anti-tabela periódica, o antilítio, poderia, em teoria, formar antimatéria sólida a temperatura ambiente - mas isso será algo muito mais difícil de fazer.

A equipe STAR calcula que o antilítio irá nascer de colisões com menos de um milionésimo da frequência de formação do anti-hélio-4 agora observado. Na prática, isso o coloca fora do alcance dos colisores de hoje, incluindo o LHC.

LHC - Grande Colisor de Hádrons


Esconderijo da antimatéria


O cientista acrescenta que a obtenção do anti-hélio "não nos leva mais perto de responder a grande pergunta de por que é que o universo em geral não está repleto de antimatéria."

De fato, as teorias atuais afirmam que matéria e antimatéria foram criadas em quantidades iguais nos primeiros instantes do universo, mas, por razões desconhecidas, a matéria prevaleceu.

Um observatório espacial, chamado Espectrômetro Magnético Alfa, que será levado para a Estação Espacial Internacional em Abril pelo ônibus espacial Endeavour, vai tentar amainar esse problema.

Já se sabe que os antiprótons ocorrem naturalmente em pequenas quantidades entre as partículas de alta energia, os chamados raios cósmicos, que atingem a Terra.

O AMS irá procurar por antipartículas mais pesadas. Mas se o anti-hélio é produzido apenas raramente em colisões, como mostrado agora pelo RHIC, então o AMS não deverá detectar anti-hélios.

Se ele encontrar altos níveis de anti-hélio, isto poderia reforçar a teoria de que a antimatéria não foi destruída no início do universo, mas simplesmente separada em uma parte diferente do espaço, onde não entra em contato com a matéria.



Fontes: Revista Super Interessante e Observation of the antimatter helium-4 nucleus
STAR Collaboration
arXiv
March 2011
http://arxiv.org/abs/1103.3312


                                                                                                            Leandro Matos
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